sexta-feira, 22 de maio de 2009

Dois Anjos.

O passado próximo lhe cobrava alguma coisa. Deixara o noivo que durante anos fora seu único pretexto de felicidade para encontrar nos braços e no coração de outro, a verdadeira alegria de viver. Causara revolta naquele que fora abandonado,preterido e imensa felicidade em seu novo par. Padecera pelos ciúmes e fúria do outro,mas resistira ao lado daquele que julgava ser o grande e verdadeiro amor. Venceram. Ou pelo menos, assim se sentiram. E naquele que lhe pareceu o auge de todas as melhores coisas e momentos de sua vida, uma chuva forte, um freio quebrado e um acidente tiraram-lhe a certeza absoluta que tinha da existência de Deus em seu coração. Sabia que amava e sentia-se amada igualmente. Não, definitivamente, Deus não poderia existir. Inconcebia consentimento para tamanha dor. Tampouco acreditava em "castigo".
Aceitar o inusitado convite de uma amiga para que repousasse em sua casa nas montanhas tinha sido muito difícil. Teria até recusado, não fosse a ausência de forças, totalmente esgotada pelo desencadear das últimas semanas. Perder o homem amado, transpor todo aquele ritual, ouvir palavras enfáticas, desejos contidos, olhares afetados, tudo havia composto sua dor e levado sua resistência. Deixara-se levar. Poderia ser bom, a amiga afável não merecia uma recusa. E lá estava ela.
Sentada, joelhos dobrados, braços entrelaçados, olhar molhado e perdido no vasto penhasco alí, logo à frente, cobrindo-lhe a distância. O que fazer? Onde mora o recomeço? Perguntas chegavam-lhe na companhia do anoitecer. Era preciso voltar. Já abusara do convite da amiga e desde então, passaram-se algumas semanas.
Na manhã seguinte, recebera a visita do noivo ferido, ainda ressentido,porém agora solidário:
_ Vim buscar você! Vamos voltar, eu a ajudarei, sem palavras,
prometo me calar e esperar pacientemente.
_ Eu já saí de sua vida.
_ Mas não do meu coração.
Enfraquecida pelos dias sem dormir ou se alimentar de maneira apropriada, deixou-se abraçar, mas desvencilhou-se e pediu que ele fosse embora. Prometeu pensar, retornar em breve e juntos então conversariam depois. Ficou observando, recostada à porta, que ele se afastasse, viu quando o carro desapareceu. Enxugou as lágrimas que l a presença do noivo lhe causara, lembrou-se do difícil diálogo quando o rejeitou e enfim, a lembrança do amado que se fora deste mundo de modo violento e repentino. Ao final da tarde, caminhou até o penhasco de onde gostava de observar o pôr-do-sol inebriante, cujos raios iam-se lentamente adormecendo e vestindo todo o vale de cores azuladas fortes e lilás. Cruzou os braços e ajustou o agasalho na tentativa de conter o frio que sentia. Um rápido vento passou-lhe pelo rosto, fez esvoçar-lhe os cabelos lisos e longos e um sopro de arrepio fez tremer o corpo. Fixou olhar naquele horizonte, viu algumas penas azuladas passarem voando à sua frente e sentiu braços entrelaçarem-lhe o corpo por trás. O perfume conhecido causou-lhe torpor, fechou os olhos e se deixou levar por aquele abraço aquecedor e tranquilizante. O beijo veio seguro e confortante no pescoço, mãos viraram-lhe o corpo e pode então assegurar-se do que seu coração insistia em ver, mas teimava-lhe a certeza. Era ele! O amado que partira, estava alí, o rosto não mudara, o corpo forte e envolvente, os olhos negros como aquela noite que descia, a fitar-lhe e apertar seu corpo contra o dele sem lhe permitir fuga ou medo. Não pensava, apenas sentia e se deixava sentir. Beijou-a com a delicadeza e calor que somente os anjos o sabem. Acariciou-lhe os cabelos, fez desaparecer toda dor e lágrimas e calmamente disse-lhe aos ouvidos:
_ Não há neste mundo uma só pessoa que nos separe. Nada se interpõe entre seu coração e o meu. Porque somos uma só energia, um só caminho, uma luz intensa e um só nome: Amor! O tempo se encarregará de lhe trazer a paz, o retorno da alegria e esperança em dias melhores. Não duvide de Deus, de suas intenções ou respostas para com nossas vidas. Não desista, não pense na morte como fim. E finalmente, jamais esqueça daquilo que carrega em si e que, de agora em diante, constituirá sua melhor certeza da presença de uma força maior a nos unir. Estarei com você por toda sua vida e chegará o momento de nosso reencontro. O universo nos rege e nos supera na existência, mas conspira a nosso bem e amor eterno. Eu sempre vou amar você!
Ainda pode sentir-lhe o hálito doce num último beijo e depois, apenas o vazio. Pelo vale, penas azuladas bailavam por toda parte e ao seu redor. Apenas a noite e o frio como testemunhas. Mas entendera suas palavras. Sem mais lágrimas, sem dor ou medo do futuro. Aliás, este lhe acenava em forma de carinho ao passar delicadamente as mãos por sobre seu ventre. Entendera as palavras daquele Anjo e sabia que a acompanharia pela vida afora. Porque também compreendia que nenhum sentimento seria maior diante daquele imenso amor que os unia! E havia, lenta e cautelosa, a certeza de um outro Anjo que chegaria!

Beijos de um Anjo!

Nenhum comentário: