No domingo, dia cinco, Lulu recebia apenas um "caldo" para beber e chá. Recusava os dois. Aceitava apenas água-de-côco e meu coração de mãe batia lento de tristeza por vê-la pedir pra comer algo feito por mim. Crianças são capazes de nos comover até a alma e mesmo em momentos nos quais se faz necessário não nos comovermos tanto, afinal, era tudo feito de maneira séria e visando o transcorrer tranquilo de uma cirurgia deste porte.
Nesta noite, dormí mal e logo pela manhã bem cedinho troquei a roupinha dela de hospital, coloquei meias em seus pés ( nem me perguntem por que isto ), fiz asseio em seu rosto, ajeitei-lhe os cabelos e ficamos aguardando.
O pai e a irmã chegaram cedo também para acompanhar este dia conosco, alí no hospital. Abracei minha filha mais velha. Nossa, esquecí-me de que ela também precisava de mim, embora de maneira diferente e sentí-me aliviada de vê-la conosco, saber que estava bem e sentí uma saudade enorme de estarmos todos em casa. Mas aquilo tudo passaria logo, não duvidava disso.
Mais ou menos às nove e meia, o maqueiro do centro cirúrgico chegou pra buscar Luísa. O pai havia saído e não retornara. Juntas, eu, ela e Nanda, nos demos as mãos e proferí outra oração; estava difícil segurar as lágrimas. Luísa não tinha esta preocupação, chorava muito, sentia medo. Fui até a porta do CC com ela, me mantive atrás do rapaz que a levava,pois não queria que me visse chorar. Ele mesmo acenara para não fazer isto e após dar um beijo carinhoso em minha filha, descí e fui encontrar-me com a mais velha e o pai.
Era muito forte a emoção e os sentimentos se misturavam entre medo, otimismo, dúvidas e ansiedade. Ficamos sentados do lado de fora do CIPE , conversamos com uma mãe,cujo bebê também seguira para uma operação. Aquela era uma situação destas em que mal se sabe o que falar que não seja sobre nossos filhos, seu nascimento, dores, alegrias. De certo não havia outro assunto que nos interessasse naquele instante. Para nós, talvez fosse o modo mais seguro e eficaz de não nos afastarmos muito deles. Nesta hora vale ser piegas, acreditem. Todos os demais argumentos não seriam suficientes para nos acalmar senão estes. Então, as horas fluíram. Não demorou e o bebê dela chegou, como eu havia previsto, no centro de uma maca que parecia gigante pela pequenez da criança. Foi lindo e engraçado ver aquele "montinho de lençol" chegando, aos berros de fome. Já tinha visto esta cena antes e deu pra achar graça agora.
A cirurgia de minha filha durou umas quatro horas e quarenta. O cirurgião ligou e mandou-me chamar avisando que mais algumas horinhas e poderíamos ver Luísa no CETIPE, para onde ela seguiria. Disse que tudo estava bem, foi tudo como previsto e que ela ficaria lá para uma maior vigilância por se tratar de uma cirurgia grande. Explicou alguma coisa que não ouví direito, pois só chorava, fiquei mais surda ainda e cega.
Quando Nanda e o pai retornaram do almoço, falei que havia terminado e que o Dr. Samuel viria falar conosco antes de descermos ao terceiro andar.
Ele não demorou e nos falou sobre o que fizeram e o que encontraram. Havia mudado a idéia inicial de como seria a incisão, explicou-nos o porquê e que tinha sido retirada a parte superior do rim esquerdo dela, estava necrosado. Esta palavra soou feito uma pedra de uma tonelada em minha cabeça. Havia uma infecção que tomara o rim de minha filha, não tinha outra maneira de agir neste caso,senão a retirada. Apesar dos cuidados devidos, ela necessitara de bolsa de sangue, mas que agora tudo ficaria bem, ela teria vida normal. Perguntas estavam por todo meu corpo,minha mente e coração. Queria que ele respondesse uma via crucis de interrogações que eu tinha, mas percebí-lhe a pressa, a conclusão e tudo que eu desejava era abraçar a minha filhinha naquele momento. Chorei muito consolada pela minha filha mais velha. Poderia estar exagerando,mas aprendí que coração de mãe é uma verdade intrínseca quando berra e ainda restava a resposta da biópsia que viria mais de um mês depois.
Descemos ao terceiro andar e ficamos aguardando a chegada da Luísa .
Antes de descermos, ainda no oitavo andar, o estresse tomava conta de mim, não sabia mais o que fazer, mas algo tinha de ser feito. Respirei do lado de fora, na rampa que dá acesso aos andares, olhei para o mar, a ponte à frente e tentei não focar em nada negativo. Olhei para o céu como deu e fiz uma oração. O calor estava forte, mas uma chuva ensaiava acalmar isso e me dei conta de que nem sabia mais como estava o tempo.
Já à porta do CETIPE, sentada, fui a primeira a avistar a maca que trazia minha Lulu. Levantei e súbito, fiz pararem uns segundos para beijá-la e a enfermeira pediu-me que esperasse,não poderiam ficar alí parados com ela. Entraram, nós atrás, até que nos pediram que sentássemos e aguardássemos pois tinham umas coisas para fazer ainda e logo nos chamariam.
O imenso aparelho de RX foi levado até ela para exames e alí comecei a perceber o quanto era complicado o espaço lá dentro. Num misto de curiosidade e ansiedade, esperamos.
E que espera. Somente faltando pouco para as dezoito horas é que fomos autorizados pela médica de plantão a vermos a nossa pequena. O pai foi primeiro.
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