terça-feira, 19 de outubro de 2010

É. Eu pareço estar mais surda. Fazer o que?
Falo maior, me expresso maior, entendo menor e ouço menor. É música?
Eu lembro de fatos passados na infância. Aquele trem nervoso. Era o medo?
Eu cresço de forma desordenada. Pra baixo, pros lados. Pra dentro. Tem volta?
Não há palavras onde não há ouvidos. Pareço enfeite. Alguém me ouve?
Entendo retardadamente. Falta espaço na mente. Na sala. No ventre. O meu?
Deixo passar a vontade. A cena. A piada. O romance. Apagaram os ouvidos?
Eu não sobro. Eu falto. Oculto a opinião. O lero. O ensaio. Quem vai hoje?
Me embrulho, não visto. Sonho apertado. Sina de trapo. Vende ou aluga o passo?
É. Não pareço estar surda. Eu não sou. Fiquei deficiente. De um lado, de "meio-dois".
Seguro o abraço. Não te largo. Preciso e te cato. Relaxo. Li você gritando. Caso?
Passa o recado. Leva o passado. O trem se foi ao acaso. Despeço.

Cris.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Como esquecer

O filme é interessante. "Como esquecer" traduz de vez toda criação de universo em torno do amor entre homossexuais. Numa pré-estreia concorrida e de plateia bem homogênea, deu pra traçar uma linha de debates sobre a conclusão  que cada um inventariou sobre esta vertente de relacionamentos.
Sem narrar o filme todo, mas dar a ele a minha impressão exata.


Ana Paula Arosio faz uma professora universitária, Júlia, homossexual que se vê no olho do furacão ao ter o relacionamento de dez anos interrompido pela companheira. O drama gira em torno dela,Júlia, e toda a sua quase loucura por não conseguir "digerir" este ponto final.

Tudo é humana e minuciosamente ilustrado neste contexto. Ela se depara com a realidade assumidamente da outra , que são as contas, o dia-a-dia,enfim, a parte totalmente prática de um casamento. Começa o bombardeio de responsabilidades e Júlia se entrega à depressão. É salva por amigos maravilhosos que, cheio de defeitos e problemas bastante comuns, ainda assim diversificam o próprio universo e espantam seus fantasmas ajudando-se uns aos outros. Menos Júlia que se entrega ao torpor e ultraje do normal em tentativas de não sofrer. Em vão. É preciso encarar, bater de frente mesmo e somente assim, a ferro e fogo, será possível ver a vida fluir e deixar que a outra saia de vez de seu mundo.

E é desta mesma forma que amamos enquanto héteros. Porque não é o corpo quem define o que sentimos;não é a maneira com a qual nos damos que rege a vontade;não se leva em conta o gênero. É a pessoa, a escolha, o alvo. Coração não tem gênero. Amor é amor para qualquer homem ou mulher. Apego também. E Júlia regateia tudo isso com o amigo que lhe confere carinho e atenção neste capítulo que se segue na vida dos dois.

Eu mesma tinha uma visão tão comum a tanta gente quando se imagina que o amor entre homossexuais é sentido de maneira diferente dos demais. E não é. Nem mesmo o momento em que se inicia a volta a si mesmo, o resgate do dna, poderia ser diferente. É o exato instante em que percebemos la na frente que já está difícil lembrar-nos do semblante da pessoa que se foi de nós. É aí que percebemos a volta por cima. Doloroso retorno,mas absolutamente necessário. É o momento em que nos abrimos de volta ao real, à quem nos chama à tona, o "back up" de nós mesmos. Para mim, a melhor parte.
Impossível não nos identificarmos com um pouco de cada personagem, cada emoção e todo sentimento. O tema, totalmente difuso no filme, cabe com perfeição a todo relacionamento. "Como esquecer" não nos dá a fórmula porém  faz calcular cada perímetro do sofrimento descabido em que nos deixamos ficar a cada fim, cada abandono, cada desmembramento. Sim, porque no fundo nos tornamos um em dois e separar o que já havia sido confundido, arrematado e assimilado torna-se tarefa de muita dor. Deixa a lição do quanto  tornam-se ainda mais valiosos os amigos que pleiteiam a nossa felicidade e nos dão o colo, o abrigo. E além,comoveu por entender que as diferenças sexuais não delimitam o sentimento ou os faz menos importantes.

Murilo Rosa no personagem gay amigo de Júlia, está encantador e divertido e Natália Laje como a amiga hétero que é abandonada pelo companheiro quando mais precisa dele. E quando questionada pela amiga professora sobre achar certo voltar para ele depois disso, dá uma resposta que eu não daria:"Se a Antonia aparecesse aqui e lhe pedisse pra voltar, você não voltaria? Estou voltando, ele merece uma segunda chance".
E eu mereci ter sido convidada ao Festival Rio de filmes.
Beijos.
Cris.